A Família de Deus

Quando falo sobre a família de Deus alguns reagem com certa dificuldade de entender esse conceito tão simples e claramente apresentado nas Escrituras. Mas o fato é que o Criador tem a Sua própria família:

“Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus.” (Efésios 2.19)

“Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o nome toda família, tanto no céu como sobre a terra.” (Efésios 3.14,15)

Esses dois versículos de Efésios falam explicitamente da família divina. De modo que é incontestável a afirmação de que o Criador tem uma família. Contudo, a forma de muita gente olhar para a família de Deus é diferente da que realmente deveríamos ter. Eu mesmo, por muito tempo, pensava nessa família celestial somente com a participação, com o complemento humano. Meu conceito era de que o Pai Celestial só tinha uma família porque havia criado a humanidade. A conclusão era basicamente a de que a família divina só se tornara uma família com a chegada dos filhos.

Contudo, essa não é a maneira correta de olharmos para a família de Deus. Aliás, esse não é nem o conceito que temos das nossas próprias famílias. Constituí minha família anos antes dos meus filhos nascerem. É correto dizer que meus filhos vieram a existir porque a família deles já existia antes; não o contrário. Assim como a minha família não passou a ser família só porque experimentou o aumento da chegada dos filhos, semelhantemente, a família de Deus já existia como família, antes mesmo da criação do ser humano.

A Trindade é o mais perfeito modelo de família que podemos conhecer. Deus já existia como família antes de entrarmos na história. Pai, Filho e Espírito Santo subsistiam como família, o que gosto de chamar de a família celestial.

Já percebi que, toda vez que estou pregando sobre isso e menciono Deus como família, alguns me olham com uma cara que já denuncia o questionamento interior: “se Deus é o pai e Jesus é o filho, então o Espírito Santo é a mãe?” Nosso problema é tentar entender a família celestial com base na terrena. Mas não podemos achar que a família celestial seja parecida com a terrena, e sim o contrário. A família terrena é que foi criada com base na família celestial. Repito que a família terrena é uma réplica incompleta e imperfeita da celestial. Portanto, não devemos tentar comparar o Espírito Santo com a mãe; o correto é olhar para a mãe na família terrena como quem reproduz características e funções que o Espírito Santo tem na família celestial.

Para alguns, a mera correlação entre Deus e a mulher é quase abominável; mas no reino espiritual não existe essa distinção entre masculino e feminino. Paulo disse que em Cristo não há homem nem mulher (Gl 3.28). Essa distinção é meramente terrena, e está relacionada à questão da reprodução. Jesus disse que na ressurreição (quando já houver findada essa forma de vida terrena) não se casa, nem se dá em casamento; lá seremos como os anjos nos céus (Mt 22.30). Estabelecida essa observação, quero repetir que a mãe, dentro da família terrena, reproduz características e funções que o Espírito Santo desempenha na família celestial.

Por exemplo, quem é responsável pela gestação da vida na Trindade? O Espírito Santo. Vemos isso na narrativa de Gênesis, quando, na criação, o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas, aguardando a “semente” da palavra que seria proferida a fim de trabalhar sobre ela. Vemos isso quando o anjo Gabriel anuncia a Maria: “descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com sua sombra” (Lc 1.35). Vemos isso no novo nascimento de cada cristão, uma vez que Paulo fala a Tito sobre “o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). E na família terrena, quem tem essa função? É a mãe!

Na família celestial, quem é considerado a fonte de consolo? O Espírito Santo! Jesus o chamou de “Consolador” (Jo 14.16,26; 15.26; 16.1,7). Não que o Pai e o Filho não possam fazê-lo, porque isso também é mencionado acerca deles; mas, quem é o “encarregado” dessa função na Trindade é o Espírito Santo. Assim também é na família terrena. Embora o pai possa, em algum momento, exercer essa função, ninguém é tão “especialista” nisso como a mãe.

E o interessante, ao estabelecer esse paralelo, é que, na prática, percebemos que há uma associação (ainda que indireta ou inconsciente) que as pessoas fazem entre a relação com a família terrena e a celestial. Parece-me, depois de vinte anos de ministério e observação do comportamento das pessoas na igreja, que aquelas pessoas que tiveram sérios problemas de relacionamento com a mãe também apresentam, depois da conversão, grande dificuldade de relacionamento com a pessoa do Espírito Santo.

Percebo que aquelas crianças que cresceram num lar onde as promessas eram cumpridas apresentam uma facilidade de acreditar nas promessas de Deus, enquanto o oposto também se mostra verdadeiro. Recordo-me de uma ocasião em que estava pregando em outra cidade e, depois de três dias já ausente de casa, recebi em meu telefone celular uma ligação do Israel, meu filho (que na época devia estar com quase sete anos). Ele mencionou a saudade que sentia de mim, mas enfatizou que não havia ligado para falar da saudade e sim para me encorajar a continuar fazendo o que eu havia saído fazer: pregar a Palavra de Deus. E então, de modo surpreendente para uma criança daquela idade, começou a dizer que sentia tanto orgulho do seu pai que era um pregador. Mas a afirmação que mais me emocionou foi:
“Paizão, para mim você é como o apóstolo Paulo, que viajava para falar de Deus e abençoar as pessoas. Aguente sua saudade que eu estou aguentando a minha”. Eu fiquei tão tocado com essa conversa que as lágrimas me correram pelo rosto. E então, quando eu estava profundamente tocado, ele disparou: “Só não esquece o meu brinquedo!” Até hoje ele sustenta que, como criança que era na ocasião, não fez isso de propósito, de forma planejada. Mas o fato é que, emocionalmente vulnerável como me encontrava naquele momento, perguntei-lhe o que ele queria ganhar de presente. Ao que ele me questionou: “Eu posso escolher o presente?” Ao garantir-lhe que sim (e eu nem estava podendo muito na ocasião) ele fez, imediatamente, a sua escolha – de um brinquedo que ele já vinha querendo – e eu lhe disse que levaria o presente. Foi exatamente nesse ponto que nossa conversa foi interrompida. Eu ouvi o barulho do telefone caindo no chão e ele, aos berros, anunciando à Kelly: “Mãe, ganhei meu brinquedo, ganhei meu brinquedo!”

Achei aquilo interessante, pois eu ainda estava a duas horas de casa e, mesmo que já estivesse voltando naquela mesma tarde, ainda teria que ir comprar o presente antes de pegar a estrada de volta para casa. Mas para o Israel o presente já era dele. Mesmo que eu ainda não o tivesse comprado, que ainda houvesse algumas horas de espera até que eu chegasse a casa, o presente já era dele!

Por que ele agiu assim? Porque ele sabia que, sempre que o pai fizer promessas, as promessas serão cumpridas. E, ao crescer, ele não terá nenhuma dificuldade de transferir esse tipo de confiança ao Pai Celeste. Por outro lado, infelizmente, as crianças que crescem num ambiente em que as promessas não se cumprem, transferem essa insegurança para seu relacionamento com Deus.

Portanto, vemos tanto nas Escrituras como também na experiência prática que a visão de família afeta diretamente a nossa visão de Deus. Creio que a razão pela qual o Senhor trata de forma tão séria com as questões familiares é por conta de como isso afeta a nossa relação com Ele.

A FAMÍLIA NÃO É SAGRADA EM SI MESMA

Você descobrirá, examinando a Bíblia, que a família não é sagrada em si mesma, mas por causa do propósito a que serve: conectar-nos com Deus, facilitando a compreensão e a revelação d’Ele em nossas vidas. Veja, por exemplo, o conceito de casamento abordado por Paulo em sua carta aos irmãos de Corinto:

“E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo. Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque é melhor casar do que viver abrasado.” (1 Coríntios 7.8-9)

A questão de casar ou não casar é abordada pelo apóstolo de uma forma nada romântica. Ele diz que seria bom se alguns não casassem (a explicação dessa frase será exposta logo abaixo, no texto que fala de consagração), mas, se não pudessem conter o desejo sexual – o que faria essas pessoas pecarem contra o Senhor – então seria melhor elas se casarem. Depois, no mesmo capítulo sete, Paulo volta a enfatizar isso:

“O que realmente eu quero é que estejais livres de preocupações. Quem não é casado cuida das coisas do Senhor, de como agradar ao Senhor; mas o que se casou cuida das coisas do mundo, de como agradar à esposa, e assim está dividido. Também a mulher, tanto a viúva como a virgem, cuida das coisas do Senhor, para ser santa, assim no corpo como no espírito; a que se casou, porém, se preocupa com as coisas do mundo, de como agradar ao marido. Digo isto em favor dos vossos próprios interesses; não que eu pretenda enredar-vos, mas somente para o que é decoroso e vos facilite o consagrar-vos, desimpedidamente, ao Senhor.” (1 Coríntios 7.32-35)

Resumindo: se ficar solteiro o ajuda na relação com Deus, opte por isso; se o faz pecar, fuja disso! A Palavra de Deus fala de pessoas que, ao enfrentarem a viuvez, se dedicaram mais em sua vida espiritual:

“Havia uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, avançada em dias, que vivera com seu marido sete anos desde que se casara e que era viúva de oitenta e quatro anos. Esta não deixava o templo, mas adorava noite e dia em jejuns e orações”. (Lucas 2.36-37)

Por outro lado, a mesma Bíblia às vezes sugere o oposto:

“Mas rejeita viúvas mais novas, porque, quando se tornam levianas contra Cristo, querem casar-se, tornando-se condenáveis por anularem o seu primeiro compromisso. Além do mais aprendem também a viver ociosas, andando de casa em casa; e não somente ociosas, mas ainda tagarelas e intrigantes, falando o que não devem. Quero, portanto, que as viúvas mais novas se casem, criem filhos, sejam boas donas de casa e não deem ao adversário ocasião favorável de maledicência. Pois, com efeito, já algumas se desviaram, seguindo a Satanás.” (1 Timóteo 5.11-15)

O apóstolo fala de viúvas que deveriam se casar para não pecarem. Muitos cristãos tornaram a família sagrada em si mesma, mas não é o que a Palavra de Deus ensina. Se sua família o ajuda a entender e relacionar-se melhor com Deus, é uma coisa. Se ela se opõe à sua relação com Deus, a conversa é completamente diferente. Veja o que o Senhor Jesus falou acerca disso:

“Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim”. (Mateus 10.34-37)

É claro que Jesus é o Príncipe da Paz (Is 9.6) e que veio para nos dar a sua paz (Jo 14.27). Mas isso diz respeito à paz interior, ao estado de espírito. No texto acima, quando Cristo diz que não veio trazer paz, o contexto do texto (quase todo o capítulo dez) mostra que Ele estava falando de paz exterior, circunstancial. O Mestre falava sobre a perseguição que os seus fiéis enfrentariam, o que incluía a possibilidade de serem rejeitados pela sua própria família (o que não era incomum no contexto do judaísmo e outras religiões orientais). Portanto, não havia garantia de tranquilidade ao converter-se a Cristo; pelo contrário, grande probabilidade de se ter sérios problemas (até mesmo com os familiares). Em casos como esse, a família não poderia tomar o lugar do Pai Celestial. É disso que Cristo fala ao advertir sobre não amar mais aos familiares do que a Deus (Mt 10.37), pois, a família terrena, embora importante, não é (e nunca será) mais importante do que o próprio Deus.

Hoje entendo que o maior propósito de Deus ao estabelecer os mandamentos familiares, e tratar de forma tão séria com a obediência ou desobediência dos mesmos, não diz respeito apenas a tentar melhorar a nossa qualidade de vida emocional, mas, acima de tudo, o propósito é o de nos levar a ter a visão familiar correta.

RESTAURAÇÃO DA VISÃO FAMILIAR

Acho impressionante como a visão familiar afeta a relação da pessoa com Deus. Isso não significa, de modo algum, que quem não teve uma boa experiência familiar esteja fadado ao fracasso na vida espiritual, mas que é necessário um reaprendizado, uma reformulação da visão familiar. A Bíblia diz que a transformação que vivemos está relacionada à renovação de nossa mente (Rm 12.1,2). Precisamos ser reprogramados segundo os valores da Palavra de Deus.
Houve uma época, em meu ministério, que eu não ensinava sobre casamento aos que não eram casados ou não tinham planos de se casar.

Quanto ao primeiro grupo, percebi logo meu erro, pois, quem é solteiro deve aprender tudo o que puder sobre o casamento antes mesmo de se casar. Como diz o ditado: “É melhor prevenir do que remediar”.
Porém, quanto ao caso dos que expressamente declaravam seu desinteresse em se casar (como o caso de viúvos ou celibatários), ou mesmo os que não podiam fazê-lo, ainda que o desejassem (por alguma situação de divórcio que não dá direito a um novo casamento), eu não via a necessidade de ensiná-los acerca do que a Bíblia diz sobre o matrimônio ou mesmo sobre a vida conjugal.

Nos últimos anos, no entanto, o Senhor começou a me corrigir e ensinar acerca disso. Mesmo quem não vai casar-se precisa entender os princípios bíblicos sobre o casamento. Os que, casados ou não, não planejam ter filhos também devem ser ensinados sobre os princípios da Palavra de Deus acerca da relação entre pais e filhos. O propósito de se entender a visão bíblica de família vai além de viver bem a vida familiar; tem a ver com desenvolver a visão correta de Deus e frutificar no relacionamento com Ele.

Há situações onde não há mais como restaurar um relacionamento, como, por exemplo, o caso de um filho cujo pai já morreu. Porém, se essa pessoa experimentar a restauração da visão bíblica da família, ela poderá experimentar não apenas restauração para os sentimentos desse relacionamento (que já não existe mais), como também poderá desenvolver seu relacionamento com o Pai Celestial. Por isso, o propósito deste estudo não é apenas ajudar sua vida familiar, mas ajudá-lo em sua própria relação com Deus.

Autor: Luciano P. Subirá. É o responsável pelo Orvalho.Com –

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